Expedição científica de 1881


EXPEDIÇÃO CIENTÍFICA 1881



THE ORIGINAL MOUNTAIN EXPEDITION


1 de Agosto de 1881

Pelas 20 horas e 15 minutos, partia da Gare do Norte de Lisboa (Santa Apolónia) um grupo de 42 expedicionários entusiásticos com a expectativa de uma viagem exploratória à Serra da Estrela, região ainda desconhecida, selvagem e, em grande parte, desabitada, que encerrava em si mistérios e mitos. Partiram sob a aclamação calorosa de numerosa assistência, de representantes do Conselho de Ministros, do presidente e do primeiro secretário-geral da Sociedade de Geografia de Lisboa, do diretor e de alguns lentes da Escola Médico-Cirúrgica e de um grande número de membros da imprensa e das escolas superiores. Partiram enérgicos, sabendo que iriam defrontar as forças dos elementos naturais e não as feras de África. As vinte e três carruagens transportavam homens agasalhados com camisolas de flanela, casacos de Inverno, duas mantas inglesas e, ainda, botas de tamanho descomunal. Eduardo Coelho, o correspondente e diretor do Diário de Notícias, ironizava, escrevendo já a partir da serra, que era “toda a lã de um rebanho em cima de nós! Pôr sobre isto revólver, para lobos, toucinho para as víboras”.

A Serra da Estrela, na época também designada de Montes Hermínios, era uma região cujo fascínio levou a que, algumas vezes, fosse percorrida por pequenos grupos motivados pela aventura e pelas suas singularidades. Um dos objetivos imediatos da expedição de 1881 foi o de estabelecer o posto meteorológico, um dos primeiros da Europa. O programa para esta instalação foi cuidadosamente preparado por Sousa Martins, já que as ciências médicas trabalhavam, inovadoramente, nas áreas prospetivas das patologias das altitudes, climatologia médica, flora aplicada à farmacopeia e meteorologia, as quais certificariam a instalação mais tarde da Estância Sanatorial.

A Comissão Organizadora conseguira o apoio político do Governo, e os municípios seriam decisivos para a concretização da expedição, sem o qual não teria sido possível a Sociedade de Geografia de Lisboa promover um projeto desta envergadura, que duraria 19 dias, com cerca de 100 homens. Seguiram para aí laboratórios completos, com os equipamentos e instrumentos científicos de cada secção especializada, alguns deles construídos e adquiridos expressamente para a missão. A Estrela foi objeto de estudo, tornou-se laboratório e teve a maior concentração multidisciplinar de cientistas até à atualidade em Portugal. Os expedicionários apenas transportariam uma diminuta bagagem de mão, podendo incluir alguns objetos pessoais e géneros seletos para consumir nos quinze dias de estada na montanha e, ainda, um bordão para os caminhos difíceis. No abarracamento da cumeada da serra, cada expedicionário encontraria uma maca de bordo e duas mantas, para cama; uma bacia de barro para lavagem; uma marmita para ração de cozinha; um cantil para ração de vinho.

Havia um regime alimentar rigorosamente militar, e todos à partida foram prevenidos: “Que os gastrónomos, se alguns vão, não criem ilusões. Hão-de contentar-se com um singelo rancho e rações. Haverá alvorada e silêncio a toque de corneta.” Todos os dias chegavam notícias a Lisboa. O Diário de Notícias fazia um relato pormenorizado passo a passo, com as informações dos telegramas postais e das crónicas de Eduardo Coelho enviados de Seia. Os telegramas rececionados na Redação eram colocados à consulta de outros periódicos nacionais.

Os dias sucedem-se, os expedicionários percorrem a pé vários quilómetros, vencendo desfiladeiros e gargantas serranas. Apenas sossegam quando dormem de noite. Num ambiente de alegre camaradagem, as diferentes secções consomem o tempo, pesquisando, recolhendo, medindo e fotografando os elementos. A secção médica destacava-se, pela concorrência de visitantes, pelos instrumentos científicos e pela singularidade de Sousa Martins que, de barrete verde de campino, fazia clínica, observações, experiências e cirurgias aos aldeões que a ele se acercavam.

As excursões apresentavam-se surpreendentes, sobretudo a das lagoas, com a desmitificação da lagoa Escura, antes imaginada sem fim, a comunicar com o mar. O grupo ficou extasiado pela posição das mesmas, “separadas uma da outra por uma faixa de granito de alguns metros de extensão, contornada por zimbros formosos”, num cenário de uma beleza notável, e sem “monstros do abismo e o mouro encantado”, figuras que evadiam a imaginação dos cientistas antes desta experiência pioneira. O grupo estava maravilhado: o horizonte parecia infinito.

Houve jantares invulgares e até uma procissão já no final para se proceder à devolução, entre as secções, dos instrumentos científicos, que foram elevados ao lugar de Santos. A população local foi, aliás, um parceiro determinante, aparecendo em massa no acampamento e contribuindo para avaliações médicas e partilhando lendas e histórias, verdadeiras e ficcionadas. Algumas destas perduram, tal como a imaginação de quem ainda se aventura, sob o sonho de querer e saber, acreditando que a serra é, ainda, muito mais que o manancial de informação que essa experiência científica nos deixou e que, nestes dias, recriámos, também com aventura, festa, foguetes, música, jantares, piquenique, exposições e, sobretudo, com as gentes locais.

Pelas terras de Manteigas, Seia e Guarda, revivemos passos antigos, num palco privilegiado para viver experiências únicas, envoltas da nobreza das paisagens, das encostas vertiginosas, das lagoas e das pedras esculpidas, dos vales glaciares, das águas termais, da pureza do ar e do silêncio cristalino. Discreta, mas contagiante, a serra da Estrela foi uma aventura há mais de um século e, hoje, contém nela o turismo do futuro, onde o científico se revela em toda a extensão do olhar.

Artigo realizado com recurso à reportagem realizada por Helena Gonçalves Pinto no Diário de Notícias.



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